quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Pesquisador brasileiro assume vice-presidência do Comitê Científico sobre Pesquisa Antártica

MCTIC
6 de setembro de 2016

Coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) da Criosfera, o pesquisador Jefferson Simões dirige o Centro Polar e Climático da UFRGS. Crédito: UFRGS

Coordenador do INCT da Criosfera, Jefferson Simões passa a representar a América Latina em órgão internacional sobre a ciência no continente gelado. Em entrevista ao Portal MCTIC, ele defendeu a ciência de alta qualidade, principalmente, as pesquisas sobre a influência da Antártica no clima da América do Sul e a biodiversidade.

O cientista brasileiro Jefferson Simões foi eleito para uma das quatro vice-presidências do Comitê Científico sobre Pesquisa Antártica (Scar, na sigla inglês), órgão responsável por implementar a pesquisa científica internacional no continente gelado. Estabelecido em fevereiro de 1958, o Scar é uma instância interdisciplinar ligada ao Conselho Internacional para Ciência. A participação do pesquisador no comitê executivo do Scar é um reconhecimento do papel de destaque da comunidade científica brasileira e fortalece a presença do país na Antártica.

"Agora, estarei também no papel de assessorar toda a comunidade sul-americana e, na medida do possível, incentivar programas de alta qualidade científica, principalmente nas questões de mudança do clima, do papel da Antártica no sistema climático sul-americano e como nós podemos entender a biodiversidade da Antártica e suas ligações com a América do Sul", afirmou Jefferson Simões ao Portal MCTIC direto de Cambridge, na Inglaterra.

Coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) da Criosfera, o pesquisador foi eleito durante a 34ª Conferência de Ciência Aberta do Scar, em Kuala Lumpur, na Malásia, que reuniu delegados nacionais de 31 países entre 20 e 30 de agosto. De lá, Jefferson Simões foi para a Inglaterra visitar o Serviço Antártico Britânico e discutir futuras cooperações com o Programa Antártico Brasileiro, principalmente por meio do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o qual dirige. O pesquisador também coordenou a elaboração do plano de ação Ciência Antártica para o Brasil, lançado pelo MCTIC em 2013 e válido até 2022.



MCTIC: O que a sua eleição para o Scar representa para o Brasil?

Jefferson Simões: O Scar integra o Conselho Internacional para Ciência. No momento, sou o único latino-americano do comitê executivo e, então, represento toda a comunidade científica da América Latina. O órgão é responsável por iniciar, desenvolver e coordenar pesquisa. Como vice-presidente, vou ter o papel não só de atuar na gestão e qualificação dessa ciência, mas também de dar posições e apontar quais são as áreas de mais interesse científico no momento, com tendência a visualizar do ponto de vista sul-americano. Evidentemente, quando você é eleito para um cargo de um comitê internacional de ciência, você já exerce uma liderança. No Brasil, sou delegado nacional, que é a posição sênior do Programa Antártico Brasileiro do ponto de vista científico. E agora eu estarei também no papel de assessorar toda a comunidade sul-americana e, na medida do possível, incentivar programas de alta qualidade científica, principalmente nas questões de mudança do clima, do papel da Antártica no sistema climático sul-americano, e como nós podemos entender a biodiversidade da Antártica e suas ligações com a América do Sul, que são questões mais pertinentes ao nosso cotidiano.

MCTIC: O país retorna ao comitê executivo do Scar após 16 anos. Quem foi nosso último representante? Há uma história nacional no órgão?

Jefferson Simões: Nós tivemos como delegado nacional o professor Antonio Carlos Rocha-Campos, que chegou à vice-presidência e inclusive à presidência do Scar, durante quatro anos. Em 2000, ele se retirou dessa representação. E eu fui delegado nacional por quatro anos, antes de ser eleito vice-presidente.

MCTIC: O Brasil tem condições de fortalecer sua influência na Antártica?

Jefferson Simões: A grande questão hoje para o Brasil assumir uma liderança maior e ficar entre os 10 melhores países de atividade antártica é a continuidade financeira da parte científica. Hoje em dia, a qualificação e o status de um país dentro do Tratado Antártico, que influencia 10% da área do planeta, são dados pela qualidade de seu programa científico e não somente pela sua presença no continente. Basicamente, isso se refere ao fato de que não adianta nós reconstruirmos estações se nós não tivermos um programa científico qualificado e muito bem financiado. Aí nós estaremos dando um tiro no pé.

MCTIC: O plano de ação "Ciência Antártica para o Brasil", referente ao período de 2013 a 2022, busca ampliar o protagonismo nacional no Sistema do Tratado Antártico. Sua eleição reflete anseios do documento?

Jefferson Simões: O plano de ação foi estabelecido em 2012 e deu-se início a um planejamento que não deixa de ser o primeiro passo de um programa estratégico para o período. Eu tive a felicidade de ser o relator. O documento teve como principal objetivo identificar as áreas de maior interesse científico para o Brasil, principalmente do ponto de vista ambiental e de questões que poderiam afetar o nosso dia a dia, tais como variabilidade climática, o papel da Antártica nas correntes oceânicas que chegam à costa do Brasil, como isso afeta, por exemplo, colheitas, quebras de safras, e também associada à questão de recursos minerais na plataforma costeira brasileira. De certa maneira, a ideia foi dar um sabor brasileiro ao nosso programa. Para isso, foram escolhidas cinco grandes áreas que abordam temas interdisciplinares e multidisciplinares, desde a questão climática, do nível médio dos mares e do monitoramento das geleiras, à biodiversidade e à exploração de organismos em condições extremas, de baixíssimas temperaturas, sem falar das relações da Terra com o Sol e da evolução geológica da Antártica. Isso tudo é um planejamento que ainda está sendo implementado.

MCTIC: Você está em Cambridge para atividades ligadas ao Scar?

Jefferson Simões: Cheguei a Cambridge vindo da 34ª Conferência de Ciência Aberta do Scar, realizada em Kuala Lumpur, na Malásia. E agora aproveito a passagem pela Inglaterra para visitar o Serviço Antártico Britânico e discutir futuras cooperações com o Programa Antártico Brasileiro, principalmente por meio do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, tanto na Antártica como nas geleiras do Peru e da Bolívia, porque, por incrível que pareça, essas formações afetam inclusive a bacia amazônica.

MCTIC: Como você avalia o momento do Programa Antártico Brasileiro?

Jefferson Simões: O Programa Antártico Brasileiro passa por um momento de transformação, aprimoramento e também de avaliação. Ele certamente é um programa de destaque na América Latina, já se estabeleceu e tem vários grupos com altíssima produtividade, mas nós ainda sofremos de problemas que necessitam correção. Alguns são da sua própria estrutura, que era ultrapassada até 2008 ou 2009, embora hoje nós tenhamos profissionais extremamente qualificados. Mas nós sofremos atualmente um risco muito sério com a perda dos nossos recém-doutores. Como a ciência brasileira, o sistema sofre uma crise muito forte, devido a cortes de bolsas de pós-doutorado nos últimos dois anos. Se não for resolvido isso, infelizmente haverá dificuldades.

MCTIC: O ministério autorizou em agosto o pagamento de uma emenda parlamentar da deputada Jô Moraes no valor de R$ 290 mil em apoio à manutenção do módulo Criosfera 1. Os recursos viabilizam parte da logística da expedição científica, por meio do uso de aviões e tratores sobre o manto antártico. Essa liberação abre perspectivas?

Jefferson Simões: Sim, o MCTIC autorizou o pagamento para apoiar a manutenção do único laboratório latino-americano no interior da Antártica, que é o Criosfera 1. Nós estávamos numa situação de penúria, inclusive com a possibilidade de fechamento. Com a liberação desses recursos, vamos poder fazer uma missão, certamente minimalista, mas pelo menos manter por mais um ano o funcionamento desse módulo, que coleta dados sobre dióxido de carbono, informações meteorológicas e amostras atmosféricas, como micropartículas, além de medir raios cósmicos. O interessante é que ele ocupa, desde sua instalação, em 2011, o posto latino-americano mais próximo do Polo Sul geográfico, a mais de 2,5 mil quilômetros ao sul da Estação Antártica Comandante Ferraz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Escreva sua mensagem.