terça-feira, 17 de maio de 2016

Pesquisadores criticam fusão de ministérios da Ciência e Comunicações

O Globo
17 de maio de 2016
Sérgio Matsuura e Paula Ferreira


divulgação

RIO - A decisão do presidente interino, Michel Temer, de fundir o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) com o Ministério das Comunicações (MC) foi recebida com muitas críticas pela comunidade científica. O setor, que já convivia com cortes orçamentários no segundo mandato da presidente afastada, Dilma Rousseff, se vê agora, no início da nova gestão, envolto em incertezas. Para entidades da área, que divulgaram um manifesto no qual chamam a junção das pastas de “medida artificial”, a novidade sinaliza uma falta de prioridade em relação aos investimentos em pesquisas. Eles temem a deterioração de uma situação que já estava ruim. Procurado, o novo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações, cujo titular é Gilberto Kassab (PSD-SP), não se manifestou sobre os questionamentos.


— É uma decisão sem qualquer fundamentação inclusive nos anseios da sociedade brasileira, que quer ver o país se desenvolvendo tecnologicamente. É unânime que foi uma péssima ação — avalia o físico da USP Paulo Artaxo Netto, apontado pela consultoria Thomson Reuters como um dos quatro pesquisadores brasileiros mais influentes do mundo. — Isso demonstra que não sabem entender o desenvolvimento do país com ciência e tecnologia, continuam essencialmente focados no agronegócio e no extrativismo. O Brasil tem que dar um passo à frente e a decisão desse novo governo foi dar um passo atrás.

Presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), uma das 14 entidades signatárias do manifesto contra a nova configuração do Ministério, Luiz Davidovich critica:

— Aumentou a distância da área de ciência e tecnologia para os mais altos poderes da República. Antes, o ministro específico participava das reuniões, o que não vai mais acontecer.

Segundo ele, no entanto, não é possível prever como a área será afetada.

— Falta definição sobre o que vai significar esse ministério híbrido. O que existe é uma torcida para que a área seja prioritária e que possamos não apenas manter o que vinha sendo feito, mas reconstruir a ciência no Brasil — diz.

Agendas incompatíveis

Assim como a classe artística, que vem criticando a fusão das pastas de Cultura e Educação, os cientistas se uniram contra a medida num manifesto que critica, principalmente, a incompatibilidade das agendas dos dois ministérios em “procedimentos, objetivos e missões”. Enquanto a atuação do MCTI é baseada pelo mérito científico e tecnológico, o MC exerce funções como a concessão de canais de radiodifusão e fiscalização das operadoras de telefonia, que envolvem relações políticas e práticas de gestão distintas. A junção dessas atividades díspares enfraqueceria o setor de ciência, tecnologia e inovação, que, em outros países, ganha importância em uma economia mundial crescentemente baseada no conhecimento. Estados Unidos, China e Coreia do Sul são exemplos de países que, em época de crise, aumentam os investimentos no setor por considerar esta a melhor maneira de construir uma saída sustentável para os problemas.

Para Francisco José Barcellos Sampaio, presidente da Academia Nacional de Medicina, outra signatária do manifesto, a fusão dos ministérios “fragiliza” e coloca o país em “posição de inferioridade” frente a outras nações. Segundo ele, o investimento em ciência e tecnologia deveria ser prioridade para o governo, sobretudo em momentos de extremos.

— Sem um ministério próprio, vamos ficar em posição de inferioridade frente a outros países desenvolvidos e em desenvolvimento — avalia.

Após um período de bonança na década passada, os investimentos na produção científica sofreram um revés nos últimos anos. Dados do Portal da Transparência mostram que 2015 foi o primeiro ano desde 2004 a registrar queda nos gastos diretos do MCTI. Foram investidos R$ 6,9 bilhões, contra R$ 8,4 bilhões em 2014. Este ano, até agora os gastos foram de apenas R$ 1,4 bilhão.

Presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader destaca que, sem impulsionar o setor, a economia pode ser prejudicada:

— Graças às ações de ciência , tecnologia e inovação, operadas em diálogo com o ministério, o país avançou em campos que hoje sustentam o que tem dado certo na economia nacional.

O presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado, Lasier Martins (PDT-RS), apoiou a abertura do processo de impeachment na Casa e o consequente afastamento de Dilma Rousseff, mas se disse preocupado com os rumos da política de ciência e tecnologia do governo interino. Para sanar dúvidas, a comissão encaminhou um ofício convidando Gilberto Kassab a prestar esclarecimentos.

— O governo que está saindo teve um descaso impressionante com o MCTI. Agora, assume o novo governo e a primeira medida é a fusão — afirma Martins. — Se a verba já não vinha, agora virá para um ministério duplo.

Procurada pelo GLOBO, a assessoria da Presidência da República não respondeu aos questionamentos da reportagem, até o fechamento desta edição, sobre o funcionamento da pasta e se haverá algum corte orçamentário.

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