terça-feira, 3 de maio de 2016

Artigo: Nas atividades espaciais cabe ao Estado deixar fazer

Jornal da Ciência, via AEB
José Raimundo Braga Coelho*
3 de maio de 2016

AEB/Divulgação
Artigo da edição do mês de abril do Jornal da Ciência, publicação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência

Uma das iniciativas de estabelecimento de um programa espacial no Brasil ocorreu quando brasileiros e franceses discutiram a possibilidade de criação de uma Missão Espacial Brasileira, que seria executada em parceria com o CNES (a Agência Espacial Francesa). É interessante observar um pressuposto já estabelecido naquela época, ­final dos anos 1970: a implantação de uma empresa que gradativamente deveria transformar-se em uma Integradora, também denominada Contratante Principal.

A ideia de organizar o que se tornaria o Programa Espacial Brasileiro, como um sistema, foi lançada ainda nos anos 70, com a criação, no âmbito do Estado Maior das Forças Armadas (EMFA), da Comissão Brasileira de Atividades Espaciais (Cobae). Coube à Cobae conceber e implementar a então denominada Missão Espacial Completa Brasileira (MECB) – um programa integrado que tinha como meta o estabelecimento de autonomia na área espacial, ou seja, colocar satélites brasileiros em órbita, com foguetes nacionais, a partir de um Centro de Lançamentos próprio. A parceria com o CNES, à época, foi deixada de lado.

A MECB foi a tônica do programa espacial nos anos 80 e início dos anos 90, responsável por lançar as bases da infraestrutura e dos quadros técnicos que permanecem até hoje, assim como dos primeiros resultados concretos na área de satélites: o SCD1 e o SCD2 (Satélites de Coleta de Dados).

Em 1988, Brasil e China decidiram desenvolver uma família de Satélites de Observação da Terra (CBERS), dando início a um outro tipo de integração – a integração por oportunidade, valendo-se de parcerias estratégicas, baseadas em dois fatores considerados de suprema importância – os benefícios mútuos e o desenvolvimento conjunto.

Em 1994 foi criada a Agência Espacial Brasileira (AEB), autarquia federal de natureza civil, hoje vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com a incumbência de executar e fazer executar a Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (PNDAE). Coube à AEB a responsabilidade de dar continuidade aos projetos concebidos no âmbito da MECB, integrada à nova agenda decenal estratégica do Programa Espacial Brasileiro, denominada Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE).

Juntos à AEB, responsável pela coordenação geral do programa espacial, o Sistema Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (Sindae) conta com dois principais órgãos setoriais: o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), responsável pelo desenvolvimento de tecnologias e sistemas satelitais, e o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), onde está o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), que desenvolve tecnologias para os sistemas de lançadores. Agregam-se a esses segmentos, a Indústria Nacional Espacial, as universidades e, mais recentemente, os usuários e parceiros, que utilizam diretamente os benefícios dos empreendimentos.

A despeito da atribuição legal de coordenação concedida à AEB, o Programa Espacial Brasileiro de hoje ultrapassa as fronteiras do PNAE. Estende-se a necessidades ditadas por segmentos importantes da nação. A segurança nacional, com sua envoltória operacional abrangente, é um dos mais ilustres exemplos.

Foi assim que acolhemos a ideia do SGDC (o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicação Estratégica), onde a participação do MCTI deve-se à decisão de Estado de que era fundamental aproveitar esta oportunidade para beneficiar o setor espacial brasileiro com conhecimentos e tecnologias, a serem garantidos durante o processo de aquisição dos sistemas.

A AEB foi incluída na gestão do planejamento, da construção e do lançamento do SGDC, e está empenhada nas ações do Plano de Absorção e Transferência de Tecnologia, com isto preparando a base industrial e as nossas instituições para um comprometimento progressivo e efetivo nas próximas missões. A criação no âmbito desse programa de Empresa Integradora, Contratante Principal, em uma articulação entre a Telebrás e a Embraer, atendeu ao princípio que para nós inspira muito sucesso – a Parceria Público Privada (PPP).

É esse, em poucas palavras, o cenário de desenvolvimento da tecnologia espacial que buscamos alcançar. No entanto, cabe ressaltar três desafi­os fundamentais, que se adequadamente superados, poderão contribuir para reverter a percepção sobre os resultados efetivos do nosso programa espacial.

Primeiro: é necessário reconhecer que o orçamento hoje destinado às atividades espaciais brasileiras é muito reduzido, tanto em termos absolutos, quanto em termos relativos. Programas espaciais são exigentes por sua própria natureza, mas os benefícios auferidos não se comparam aos montantes investidos.

Segundo: as instituições públicas executoras dos projetos continuam sufocadas pela burocracia, pelas incertezas jurídicas, pelo temor dos administradores frente aos órgãos de controle, e principalmente, por um aparente e incontornável declínio em seus quadros de servidores técnicos e administrativos. O modelo que rege tais organizações precisa ser mudado, para que haja esperanças de uma reversão da realidade atual.

Terceiro: programas de Estado, via de regra, como os programas espaciais, sempre exigirão a presença e competência do Estado, para formular os requisitos dos sistemas e missões, e contratar sua execução. A opção de fazer ele próprio vem se mostrando cada vez menos efi­caz. Torna-se fundamental que o Brasil entenda que não há alternativa fora da plena atribuição à indústria nacional da responsabilidade pelo desenvolvimento dos projetos em sua fase industrial. Ao Estado não cabe mais fazer, mas deixar fazer, em seu próprio benefício.

* José Raimundo Braga Coelho é presidente da AEB

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